Alfabeto para combater a pobreza – J como Justiça
A Justiça é um dos grandes temas da modernidade política. Todas as ideologias modernas dos últimos trezentos anos recuperam de alguma maneira esta noção, colocando-a no centro da sua reflexão sobre as tarefas para as quais o sistema político é chamado a dar respostas. Há, obviamente, diferenças na maneira como cada ideologia se socorre da justiça. Por exemplo, o Liberalismo na sua forma inicial foi convocado pelos seus defensores para ajudar a defender a santidade da propriedade privada. A ideia era, e continua a ser em certos sectores mais à direita do espectro político, de que a propriedade é o resultado mais visível do trabalho individual pelo que a sua protecção seria um acto de justiça. Protecção era um eufemismo para descrever a liberdade de cada qual usufruir dos frutos do seu trabalho sem peso na consciência. Mesmo entre nós, nos dias de hoje, há gente sensata e mansinha que acredita seriamente que a riqueza que tem é simplesmente fruto do seu esforço e que, por isso, devia desfrutá-la sem peso nenhum na consciência.
O Marxismo como ideologia também recuperou a noção de justiça para condenar aquilo que chamou de alienação do operário. É verdade que é um pouco difícil entender muito bem a posição marxista em relação à justiça. Muitos que abraçaram essa ideologia fizeram-no movidos por um sentimento de que era necessário fazer qualquer coisa contra a injustiça do Capitalismo. Na verdade, porém, o que mais incomodou Karl Marx, o barbudo, não foi a injustiça do Capitalismo em si. Como ele tinha uma visão da história que impunha a luta de classes como motor da mudança, ele não podia condenar a extracção da mais-valia como algo injusto, pois isso era necessário para que as forças produtivas evoluíssem. Incomodava a Marx o fosso entre o operário e a sua força de trabalho, mas no fundo era tudo em prol da inexorável máquina da história.
O Marxismo como ideologia também recuperou a noção de justiça para condenar aquilo que chamou de alienação do operário. É verdade que é um pouco difícil entender muito bem a posição marxista em relação à justiça. Muitos que abraçaram essa ideologia fizeram-no movidos por um sentimento de que era necessário fazer qualquer coisa contra a injustiça do Capitalismo. Na verdade, porém, o que mais incomodou Karl Marx, o barbudo, não foi a injustiça do Capitalismo em si. Como ele tinha uma visão da história que impunha a luta de classes como motor da mudança, ele não podia condenar a extracção da mais-valia como algo injusto, pois isso era necessário para que as forças produtivas evoluíssem. Incomodava a Marx o fosso entre o operário e a sua força de trabalho, mas no fundo era tudo em prol da inexorável máquina da história.
Poderia dar mais exemplos de sistemas ideológicos que colocam a justiça no centro da sua reflexão, mas creio que a ideia está clara. O que me parece útil para uma reflexão sobre o combate à pobreza é um aspecto crucial da noção de justiça. Com efeito, reduzida à sua essência a noção de justiça tem a ver com direitos. Os direitos operacionalizam a justiça. Justiça só pode ser aplicada onde existe uma formulação clara dos direitos dos indivíduos. É interessante assinalar, por exemplo, que os direitos sociais – os que mais próximos estão da noção de pobreza – só entraram no discurso político europeu depois da Segunda Guerra Mundial. Thomas H. Marshall, um sociólogo britânico falecido no início dos anos oitenta, elaborou uma teoria da cidadania que ele definiu como sendo composta por três tipos de direitos, nomeadamente cívicos, políticos e sociais. Em sua opinião, cada um destes pacotes de direitos teria sido introduzido nos séculos XVII, XVIII e XIX, respectivamente.
Gostava de presenciar um debate no nosso parlamento onde os deputados da Frelimo, da Renamo e do MDM discutiriam a pobreza a partir das concepções de justiça que cada um destes partidos tem. Seria muito interessante de ver. Como é que eles iriam definir a pobreza partindo da noção de justiça? Diriam que ela é a manifestação da ausência de instituições suficientemente robustas para garantir os direitos sociais dos moçambicanos? Slógans seriam de pouca ajuda num empreendimento desta natureza. De igual modo, interessar-me-ia ler um editorial num jornal independente qualquer da praça. Como falariam da pobreza do ponto de vista da justiça? Conseguiam ainda maneira de encaixar os seus ares de indignação moral lançando impropérios contra a corrupção ou refugiavam-se, como de costume, na última página atrás de comentários boateiros despropositados contra aqueles que não têm a pretensão de serem apóstolos morais do país e preferem abordar os assuntos analiticamente? Dá gosto ir mandando estas indirectas a inimigos invisíveis e sem nome um pouco ao seu próprio estilo... Mas a questão é essa mesmo: como pensar a pobreza como um problema de justiça? Que justiça?
ELÍSIO MACAMO - Sociólogo/Nosso colaborador
Maputo, Sábado, 17 de Abril de 2010:: Notícias