Alfabeto para combater a pobreza – N como Nacionalismo
Afinal a indústria do desenvolvimento também dorme. Por vezes. Como, por exemplo, quando o nosso país mudou de hino. Aquele pessoal devia estar a dormir ou fechado num seminário qualquer sobre as políticas do género. É que pior demonstração de machismo não pode haver. O nosso hino chama-se “Pátria Amada”. Pátria, de pai. Como é que não houve protestos e ameaças de cortes de fundos se não se eliminasse essa designação tão discriminatória e machista? O pessoal devia estar mesmo a dormir. Pátria? Não é concebível, nos anos que correm, ignorar o papel da mulher e partir-se simplesmente do princípio de que só os homens é que contam na determinação da nossa origem. E isso logo num país com tantos sistemas matrilineares de parentesco!
O que me espanta ainda mais é que nem mesmo os de orientação marxista reclamaram. Não leram Engels e a sua tese segundo a qual a origem da família estaria intimamente ligada à propriedade privada? Esqueceram-se convenientemente da ideia associada de que o patriarcado exprimia simplesmente o truque inventado pelos homens para garantirem que a sua riqueza só fosse transmitida aos seus filhos? Ou como já não se combate o capitalismo em Moçambique os compatriotas de orientação marxista perderam vontade de continuar a lutar preferindo refugiar-se em crónicas de jornais ou convocar Marcelino dos Santos de vez em quando para vir dizer que com o capitalismo não se resolverão os problemas do povo? Espanta-me esta omissão.
O que me espanta ainda mais é que nem mesmo os de orientação marxista reclamaram. Não leram Engels e a sua tese segundo a qual a origem da família estaria intimamente ligada à propriedade privada? Esqueceram-se convenientemente da ideia associada de que o patriarcado exprimia simplesmente o truque inventado pelos homens para garantirem que a sua riqueza só fosse transmitida aos seus filhos? Ou como já não se combate o capitalismo em Moçambique os compatriotas de orientação marxista perderam vontade de continuar a lutar preferindo refugiar-se em crónicas de jornais ou convocar Marcelino dos Santos de vez em quando para vir dizer que com o capitalismo não se resolverão os problemas do povo? Espanta-me esta omissão.
Porque não “Nação Amada”? Sim, nação, porque não? Pelo menos do ponto de vista político – e de tudo quanto é correcto – nação parece definir melhor Moçambique do que pátria. A noção de pátria refere-se à origem comum. Temos origem comum? Porquê então enfatizar a origem? Agora, a nação já não destaca a origem, mas sim uma memória e experiências comuns. Se eu tivesse que escolher entre “pátria” e “nação” havia primeiro de tentar sugerir que se incluisse a opção “Moçambique” também; caso isso falhasse e tivesse mesmo que me decidir por uma das duas opções, então escolhia “nação”. Isso por uma razão muito simples. Cada um de nós vem de algum lado. Não há nada excitante nisso. Mas vir duma terra com a história que Moçambique tem, uma história empolgante de avanços e revezes, de luta pela recuperação da dignidade humana e de perseverança no apego à vida, não é coisa normal. É excepcional. O meu coração fica leve quando cruzo com alguém que é capaz de sentir isto comigo e é isso, mais do que a própria origem, que me identifica como moçambicano.
Só que essa identificação é muito exigente. Não quero ser o único a identificar-me com Moçambique. Quero que sejamos todos nós, mas, lá está, alguns de nós precisam de razões mais fortes ainda para sentirem o país como eu o sinto. Os pobres, por exemplo. De que lhes serve a memória colectiva de sofrimento e vitória se a sua vida não anda? Estão a ver? Que utilidade tem o princípio espiritual que o pensador francês do nacionalismo, Ernest Renan, julgou estar na origem da definição de nação quando membros potenciais da comunidade de destino que ela representa não têm razões de emular? Nenhuma, ou melhor, pouca. Como explicar aos mais novos que Moçambique é o resultado do nacionalismo, nacionalismo esse tão bem definido por Eduardo Mondlane quando o descreveu no seu livro “Lutar por Moçambique” como a consciência de que a experiência de opressão havia convergido os sentimentos no sentido de perceber Moçambique como comunidade de destino? Como dar substância a isto senão pela via do empenho contra a pobreza, mas um empenho que não deixe as coisas pelo lado material? Um empenho que coloca sobre os fazedores da nossa independência a responsabilidade de nunca, nem por lapso, usar o nacionalismo como justificação para abocanhar os recursos do país como pareceu fazer o General Chipande, sob o silêncio cúmplice, e preocupante, dos seus companheiros de longa data, numa entrevista em que explicava o seu sucesso empresarial. Pensar o combate à pobreza na perspectiva do nacionalismo é uma boa maneira de recordar porque se lutou pela independência – sobretudo aos que fizeram essa luta!
E. Macamo
Maputo, Quarta-Feira, 21 de Abril de 2010:: Notícias