12 de junho de 2010

Alfabeto para combater a pobreza – R como Revolução

Alfabeto para combater a pobreza – R como Revolução

Não sou marxista, nem nunca realmente tive simpatia por essa ideologia salvo aqueles reflexos normais dos anos gloriosos logo após a independência. A sua mensagem de emancipação económica dos mais desfavorecidos é aliciante e explica, até um certo ponto, porquê gente sensata, bondosa e generosa abraçou o marxismo como uma inevitabilidade histórica para Moçambique. Há, claro, os que nunca souberam e, provavelmente, nunca saberão por que se diziam marxistas na altura, mas esse é um problema que não precisa de nos ocupar. O principal problema do marxismo – e aqui sigo a crítica severa, e polémica, de Karl Popper contra sistemas teleológicos – é justamente esta ideia de que alguém conhece a lógica da história, em nome da qual ele está mesmo disposto a fazer as coisas mais vis a outras pessoas. O mesmo raciocínio influencia a actuação da indústria do desenvolvimento. Tal como o marxismo, a indústria do desenvolvimento tem esta convicção nociva de que sabe qual é o destino da humanidade, exigindo, para o efeito, que a humanidade lhe siga cegamente.

Não é, contudo, sobre esta convicção que quero reflectir aqui. Interessa-me mais destacar um aspecto do nosso namoro com o marxismo que, apesar de tudo, me parece importante como ponto de referência para qualquer reflexão sobre o que se deve fazer para resolver seja qual for o tipo de problema que temos. A noção de revolução, por mais problemática que tenha sido do ponto de vista do pensamento subjacente, mas também do ponto de vista prático, teve um aspecto muito importante a jogar a seu favor. Com efeito, ela estruturou o contexto dentro do qual os problemas do país foram vistos, descritos e analisados. A forma como a indústria do desenvolvimento nos obriga a olhar para a pobreza não teria sido possível naquele contexto revolucionário, pois logo teria sido evidente que essa forma não fazia sentido em relação ao projecto de sociedade que se tinha. Na verdade, o grande problema que enfrentamos com a pobreza nestes anos de experimentação da indústria do desenvolvimento é que ela é apenas um artefacto da forma como esta indústria funciona.

Vou ilustrar isto com um pequeno reparo. A prioridade que se decidiu dar à pobreza surgiu num contexto institucional e discursivo muito específico. Ela foi resultado da crítica que gente bem intencionada fez contra os programas de ajustamento estrutural promovidos pelo FMI que eram vistos como estando a privilegiar considerações macro e micro-económicas em detrimento dum tipo de desenvolvimento económico que realmente beneficiasse a sociedade. Dito de outro modo, os críticos estavam a dizer que o FMI estava a promover a pobreza. As estratégias de combate à pobreza que o FMI – coadjuvado pelo Banco Mundial que, entretanto, estava a ficar cada vez mais supérfluo no contexto do discurso neo-liberal vigorosamente promovido pelo FMI – acabou formulando foram apenas um paliativo para contornar as críticas. A prova disso é que elas não puseram as políticas de ajustamento estrutural em causa como teria sido de esperar.

O que me parece importante reter deste pequeno reparo é um pormenor também pequeno, mas bastante importante. As políticas de desenvolvimento constituem o maior desafio para os países em desenvolvimento. Elas representam, na verdade, um maior problema do que os próprios problemas do desenvolvimento. Tenho dito que Moçambique precisava de ser um país desenvolvido para se desenvolver. A razão é simples. A indústria de desenvolvimento está sempre a produzir novas simplificações em forma de iniciativas que, cumulativamente, tornam os desafios enfrentados pelos países em desenvolvimento altamente complexos e muito para além das suas capacidades. E não só: como a indústria de desenvolvimento não tem realmente memória ela só produz problema atrás de problema. É aqui onde vejo que a noção de revolução poderia ser positiva no sentido em que nos obrigaria a termos uma ideia clara do que queremos fazer deste país e, consequentemente, definirmos o problema da pobreza a partir daí. Precisamos, talvez, duma revolução mental.
E. Macamo
Maputo, Quarta-Feira, 26 de Abril de 2010:: Notícias