Alfabeto para combater a pobreza – P como Preferências
Dizem que a economia é o estudo das preferências enquanto que a sociologia é o estudo das razões que fazem com que as pessoas não possam seguir as suas preferências. É bem capaz de ser assim mesmo. De qualquer maneira, a noção de “preferências”, muitas vezes empregue no sentido de “escolhas” é central à reflexão sobre o que faz uma sociedade mais do que a soma dos indivíduos que a compõem. Em certa medida, o que determina a vida económica e faz a roda do mercado rolar e rolar são as escolhas individuais e colectivas de modo que o funcionamento são duma economia depende largamente da sua capacidade de continuar a proporcionar aos indivíduos a possibilidade de formularem e realizarem escolhas ou preferências. Até aqui nada de especial a observar. A coisa complica-se um bocado quando perguntamos, como aliás devemos sempre perguntar, que condições devem ser satisfeitas para que os indivíduos possam satisfazer as suas preferências.
Na realidade, esta é uma outra maneira de colocar a nossa pergunta: o que é a pobreza? Pois bem, podemos dizer que a pobreza é a impossibilidade de formular preferências. O leitor mais velho vai se lembrar das carências dos finais dos anos setenta e início dos anos oitenta. Vai se recordar da GOAM (em Maputo), do cartão de racionamento e daqueles pacotes de chá pousados isolados que nem andorinhas em cabos de transmissão de energia eléctrica em prateleiras de loja em constante crise de identidade (como posso ser loja sem nada para vender?). O leitor mais velho vai se lembrar que a noção de pobreza naquela altura não fazia muito sentido porque as consequências das opções ideológicas da altura tinham nivelado a sociedade pela via das carências. Pobre e rico não eram categorias sociais relevantes; estrutura e povo sim, pois a primeira significava “loja dos responsáveis” e a segunda GOAM.
Na realidade, esta é uma outra maneira de colocar a nossa pergunta: o que é a pobreza? Pois bem, podemos dizer que a pobreza é a impossibilidade de formular preferências. O leitor mais velho vai se lembrar das carências dos finais dos anos setenta e início dos anos oitenta. Vai se recordar da GOAM (em Maputo), do cartão de racionamento e daqueles pacotes de chá pousados isolados que nem andorinhas em cabos de transmissão de energia eléctrica em prateleiras de loja em constante crise de identidade (como posso ser loja sem nada para vender?). O leitor mais velho vai se lembrar que a noção de pobreza naquela altura não fazia muito sentido porque as consequências das opções ideológicas da altura tinham nivelado a sociedade pela via das carências. Pobre e rico não eram categorias sociais relevantes; estrutura e povo sim, pois a primeira significava “loja dos responsáveis” e a segunda GOAM.
Com a abertura da nossa economia nos meados da década de oitenta a coisa mudou. De repente as lojas tinham mais coisas a expor nas prateleiras para além do chá de Gurué ou Real (muito antes das estas marcas serem finalmente desalojadas pelas intragáveis cinco rosas do vizinho). Com tanta escolha de repente a pobreza começou a ser visível. Com efeito, ela começou a manifestar-se em forma de incapacidade (e impossibilidade) de tirar proveito dessa escolha. Ou por outra, a abundância produziu a pobreza tornando-a visível. De repente aquelas categorias sociais dos tempos (estrutura e povo) perderam a sua relevância; os membros da estrutura foram, na sua maioria, absorvidos pela nova categoria de “ricos” enquanto que os membros do povo ficaram mais heterogéneos ao sabor das modas da indústria do desenvolvimento: absolutamente pobre, menino da rua, menino na rua, seropositivo, criança desprotegida, mulher, vítimas das calamidades naturais, etc.
O que isto quer dizer é simples. O combate à pobreza tem que ser uma acção nacional concertada dedicada à nobre tarefa de salvar os membros do povo que se perderam nas malhas apertadas da indústria do desenvolvimento quando a nossa economia se abriu. O principal instrumento para esse efeito tem que ser naturalmente a capacitação – lá estou eu a usar palavrões! – dos reféns no sentido de – ai meu Deus, os maus hábitos linguísticos – formularem e satisfazerem as suas preferências. O teste de sucesso, portanto, não vai ser em quantos porcentos baixaram os índices de pobreza, mas sim em quantos porcentos aumentou a capacidade do povo de formular e satisfazer as suas preferências. Os empreendedores entre nós deviam ter um interesse particular no sucesso desta acção concertada. É que com um povo capacitado, isto é um povo que vai comer pão e manteiga ao pequeno-almoço ao invés de pão, carapau frito e salada de alface por opção própria fruto duma escolha individual consciente e livre de constrangimentos monetários teremos um povo potencialmente cliente. Que mais precisa quem empreende para tirar lucros? Nada, ou melhor, apenas de produção, outro palavrão lá dos tempos das carências, monumento imponente do sentido de ironia que apesar de tudo conseguíamos manter. Quanto mais “produção” gritávamos, mais chá aparecia isolado nas prateleiras. Ai, ai, ai, a nossa vida.
E. Macamo
in: Notícias.co.mz