Alfabeto para combater a pobreza – S como Subsidiário
É segundo este princípio que a União Europeia é gerida. O princípio da subsidariedade. É muito simples na sua formulação: os escalões mais baixos do sistema administrativo tomam a maior parte das decisões que lhes dizem respeito. Dito doutro modo: não é da competência dos organismos centrais marcar tarefas para estes escalões. Para ilustrar isto podemos dizer que a ordem de importância na tomada de decisões vai de baixo para cima, isto é comunas, municípios, governos provinciais, regionais, nacionais e Comissão Europeia. No caso de Moçambique, por exemplo, a ordem de importância seria, de baixo para cima, a localidade, depois o distrito, depois a província e finalmente a “nação”. É um princípio que vem já de longa data na Europa e foi, particularmente, reiterado pela reforma protestante na sua revolta contra o centralismo (não democrático) do Vaticano. Em Moçambique temos resquícios disto nas igrejas protestantes que têm nos chamados consistórios (por exemplo, na Igreja Presbiteriana) uma das expressões mais altas da importância dos escalões mais baixos.
O princípio de subsidariedade é pela responsabilidade própria perante o Estado. Os níveis locais são responsáveis pela formulação e execução das coisas que lhes dizem respeito e só num segundo momento, quando não podem, é que as autoridades centrais podem intervir para ajudar. Muitos problemas que temos a nível da eficiência do aparelho estatal em Moçambique resultam, em minha opinião, da tendência herdada do Estado colonial e do Estado revolucionário de quererem fazer praticamente tudo. Esta tendência tem colocado em cheque programas louváveis de descentralização, incluindo o que me parece uma das mais louváveis intervenções administrativas do mandato de Guebuza, nomeadamente os famosos 7 milhões. O raciocínio das autoridades centrais é, curiosamente, idêntico ao raciocínio do Estado colonial que durante muitos anos recusou conceder a independência com o argumento segundo o qual ainda não estaríamos prontos para assumir tamanha responsabilidade. É o mesmíssimo argumento: temos falta de quadros e meios, por isso o melhor é concentrar tudo em Maputo.
Daí a dificuldade mesmo de conter a explosão do Estado central. Qualquer problema de eficiência que surge tem a tendência de ser resolvido com recurso à criação de mais um ministério. Quando se pensa no aprofundamento da democracia é sempre em termos de criação de instâncias sob o controlo firme dos organismos centrais (vide as assembleias provinciais que estão na prática sob o controlo do governador provincial que é indicado pelo Chefe do Estado). O alargamento das competências do Chefe do Estado é também uma manifestação destes instintos centralizadores que tornam o Estado mais pesado e cada vez mais distante do povo, algo que nem mesmo a presidência aberta pode devidamente compensar porque o que tem falhado – quando algo falha a nível local – é a responsabilidade local. Uma boa parte das “queixas” que as “populações” têm é dirigida às pessoas colocadas no seu seio pelas autoridades centrais. As discussões que de vez em quando tem havido sobre equilíbrio regional, quotas, etc., também encontram a sua raiz nesta tendência centralizadora.
O princípio de subsidariedade parece-me um dos aspectos mais cruciais na reflexão que se impõe sobre o combate à pobreza. Ninguém conhece melhor os seus pobres do que as comunidades locais; é lá onde se dispõe de informação para determinar se alguém é mesmo necessitado ou preguiçoso, o que faz falta para que as pessoas assumam responsabilidade pelo seu destino e quando a intervenção externa é bem-vinda ou não. É claro que isto tudo exige um quadro jurídico atento aos princípios constitucionais no que diz respeito às liberdades individuais, mas se queremos mesmo começar a atacar o problema da pobreza com a seriedade que ele exige não podemos ignorar por muito tempo a necessidade de passarmos em revista a relação entre as autoridades centrais e o nível local. A descentralização segundo o princípio de subsidariedade parece impor-se.
E. Macamo
Maputo, Quarta-Feira, 27 de Abril de 2010:: Notícias